" As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas". (Fernando Pessoa)

O SOM DAS NUVENS

Sim, daqui ouço o mar mas ainda não é noite, ainda há raios pintados de cor de prata na estrada liquida onde as palavras se perdem. E eu caminho na eternidade dos meus pensamentos em passos lentos numa direcção descontínua. As estrelas ainda estão intactas na sua mordomia sonolenta e esta história podia ser escrita agora ou nas reminiscências do ontem. Sim, daqui ouço o mar mas cheira a terra sempre que o vento enfurece, e fica uma incógnita no meu sorriso, uma nitidez que se desfaz em espuma branca na imitação das ondas. Queria ver-te, sabes? Queria tocar no som das nuvens que já não fazes e ouvir a imensidão daqueles momentos por onde entrava o luar, queria encharcar os ossos naquela chuva azul que nos lavava por dentro e apagava as cores da água fria de Novembro. Ainda te lembras quando ficávamos inundados de sonhos caídos da última madrugada? Sim, ouço o mar daqui, mas hoje é um daqueles dias que precisava ver a lua no entardecer e pintar-te nas ruas da noite que começa a abraçar-me.

(Francisco Valverde Arsénio)