Acredito que já não te recordes de mim, que tenhas esquecido o meu corpo enquanto habitante do teu, que seja tão-só um fantasma perdido na nudez opaca da noite. Passaste num dia incerto diante dos meus olhos… continuas com o mesmo andar fugitivo, a mesma cadência oblíqua das ancas e até com o mesmo perfume. Caminhavas taciturna na manhã que despontava e o céu parecia pincelado de sangue perante a esfera maior do nascer do sol. Fui tentado a seguir-te pela rua íngreme e claustrofóbica da cidade, mas fazê-lo seria regressar ao universo inteiro como faz o sonâmbulo quando habita o sono, seria voltar a ler todos os livros do mundo ao mesmo tempo e a enclausurar na retina dos meus olhos todas as folhas pintadas de letras, seria admitir que és a simbiose perfeita entre o palpável e as teorias. Acredito que já não te recordes de mim nem que releio todas as tuas poesias apesar de as saber de cor… passaste num dia incerto diante dos meus olhos, passaste leve como o pó e eu interroguei-me, porque esmoreciam as palavras que ia calando e estas se escondiam debaixo da língua. Não obtive resposta mas reparei que o mundo é de facto redondo já que tudo começa e acaba em ti.
(Francisco Valverde Arsénio)