PRIMEIRAMENTE
Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada,
sem o teu peito liso e claro como um dia de vento,
e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos,
que me deixaste,hesitante nos gestos,
porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega,
dentro dela te procuro,
encostado ao teu nome,
pelas ruas álgidas onde tu não passas,
a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor,
amor de uma breve madrugada de bandeiras,
arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente,
até que outra boca-e sempre a tua boca-comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros,
encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu.
(Eugénio de Andrade)