DIA 61
Atravessei o buraco da agulha.
Do outro lado, um mundo surpreendente.
Nem freguesias, nem distritos, nem países, sequer. Quero dizer, não há nações.
E não há discursos, nem propaganda.
Os pobres não são pobres, porque não há ricos.
Há coragem.
E conta muito a opinião dos outros. Ninguém conhece o roubo. Não há polícias, existem apenas pessoas que se respeitam e acreditam. E confiam.
E há sempre respostas para as perguntas.
Não há necessidade de provedores nem reguladores nem promotores públicos.
As fechaduras têm como função evitar que as portas batam e os Bancos têm como função evitar que, pontualmente, as pessoas tenham dificuldades.
O trabalho é organizado conforme as aptidões de cada um e o ensino regulado pelos que sabem ensinar. Os salários são justos e suficientes. Assim como os impostos.
Os museus estão cheios de visitantes. Ninguém deixa de pagar o que pede emprestado e o governo democraticamente eleito é constituído pelos cidadãos mais competentes em cada área. A sua primeira preocupação é a qualidade de vida dos cidadãos.
Há um Ministério do Amor. E um coeso Sindicato de escritores, artistas e músicos. Não se utilizam recibos verdes, nem azuis, nem de qualquer outra cor.
Foram extintas as armas, banidas as guerras. Desconhece-se a corrupção e ninguém parece saber o que são as drogas.
O mercado é transparente, as acções são de valor firme porque são as imputadas ao valor moral de cada cidadão.
A única violência conhecida é a da natureza. E Deus já não é preciso. Fez, bem feito, o que pôde e o que soube, e deixou o restante entregue à capacidade dos homens.
Se quiserem atravessar também o buraco da agulha, inscrevam-se. Quem ainda não souber assinar, faça uma cruz.
(Joaquim Pessoa)