" As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas". (Fernando Pessoa)

OBRIGADO

23 horas e naquele corredor onde se cruza gente anónima à procura de curas para feridas não esperadas, um casal de idosos em passo sofrido e com um olhar de suplica cativa a minha atenção. Ela de braço dado com o amor da sua vida, trazia um pequeno papel na mão, ele dorido e apoiado na sua paixão, de olhar terno, balbuciava palavras que não se queriam ouvir. Perdidos, abandonados ao destino que o mundo lhes tinha reservado, apenas ambicionavam um pequeno gesto. Quis Deus e eles também que fosse eu o eleito para ler o tremulo, frágil papelinho. Apenas dizia “quando saírem liguem para este número, Fernando”. E eu, que senti naquele momento a utilidade suprema do meu telemóvel, vi neles um olhar terno, suave, e a magia da palavra ajude-nos. Falei com o Fernando, sentei a D. Alzira e o seu amor na sala de espera e procurei estar perto deles até à sua viagem para casa. Esperaram em silêncio, num silêncio que fala de solidão, talvez de esquecimento daqueles que amaram. Quando, finalmente chegou quem esperavam, acompanhei-os e na despedida recebi o maior carinho que julgava não existir. Um abraço forte, intenso, e um beijo dum homem sofrido e curvado, um beijo de pai para filho, e que ao ouvido me segredou “muito obrigado”, “nunca esquecerei o que fez por nós”, “que Deus lhe dê tudo porque merece”. Comovido nada lhe disse. Senti as lágrimas dele nos meus olhos e muito pequeno perante a grandeza do seu gesto. Obrigado digo-lhe agora, curador da minha alma, benfeitor dos meus sentimentos. É destes momentos que eu preciso para viver a utilidade da vida, é nestes momentos que eu consigo ser eu. A minha noite deste sábado no voluntariado foi uma dadiva dos Deuses. Obrigado. (20 de Agosto de 2011)

(mariosantos.porto)